28 - As exigências fundamentais da verdade

  As exigências fundamentais da verdade

Se examinarmos as diferentes concepções da verdade, notaremos que algumas
exigências fundamentais são conservadas em todas elas e constituem o campo da busca do
verdadeiro:

1. compreender as causas da diferença entre o parecer e o ser das coisas ou dos
erros;
2. compreender as causas da existência e das formas de existência dos seres;
3. compreender os princípios necessários e universais do conhecimento racional;
4. compreender as causas e os princípios da transformação dos próprios
conhecimentos;
5. separar preconceitos e hábitos do senso comum e a atitude crítica do
conhecimento;
6. explicitar com todos os detalhes os procedimentos empregados para o
conhecimento e os critérios de sua realização;
7. liberdade de pensamento para investigar o sentido ou a significação da realidade
que nos circunda e da qual fazemos parte;
8. comunicabilidade, isto é, os critérios, os princípios, os procedimentos, os percursos
realizados, os resultados obtidos devem poder ser conhecidos e compreendidos
por todos os seres racionais. Como escreve o filósofo Espinosa, o Bem Verdadeiro
é aquele capaz de comunicar-se a todos e ser compartilhado por todos;
9. transmissibilidade, isto é, os critérios, princípios, procedimentos, percursos e
resultados do conhecimento devem poder ser ensinados e discutidos em público.
Como diz Kant, temos o direito ao uso público da razão;

10. veracidade, isto é, o conhecimento não pode ser ideologia, ou, em outras palavras,
não pode ser máscara e véu para dissimular e ocultar a realidade servindo aos
interesses da exploração e da dominação entre os homens. Assim como a verdade
exige a liberdade de pensamento para o conhecimento, também exige que seus
frutos propiciem a liberdade de todos e a emancipação de todos;
11. a verdade deve ser objetiva, isto é, deve ser compreendida e aceita universal e
necessariamente, sem que isso signifique que ela seja “neutra” ou “imparcial”, pois
o sujeito do conhecimento está vitalmente envolvido na atividade do conhecimento
e o conhecimento adquirido pode resultar em mudanças que afetem a realidade
natural, social e cultural.

Como disseram os filósofos Sartre e Merleau-Ponty, somos “seres em situação” e a
verdade está sempre situada nas condições objetivas em que foi alcançada e está sempre
voltada para compreender e interpretar a situação na qual nasceu e à qual volta para trazer
transformações. Não escolhemos o país, a data, a família e a classe social em que
nascemos – isso é nossa situação -, mas podemos escolher o que fazer com isso,
conhecendo nossa situação e indagando se merece ou não ser mantida.
A verdade é, ao mesmo tempo, frágil e poderosa. Frágil porque os poderes
estabelecidos podem destruí-la, assim como mudanças teóricas podem substituí-la por
outra. Poderosa, porque a exigência do verdadeiro é o que dá sentido à existência humana.
Um texto do filósofo Pascal nos mostra essa fragilidade-força do desejo do verdadeiro:
O homem é apenas um caniço, o mais fraco da Natureza: mas é um caniço
pensante. Não é preciso que o Universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma
gota de água são suficientes par a matá-lo. Mas, mesmo que o Universo o esmagasse, o
homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata, porque ele sabe que morre e
conhece a vantagem do Universo sobre ele; mas disso o Universo nada sabe. Toda nossa
dignidade consiste, pois, no pensamento. É a partir dele que nos devemos elevar e não do
espaço e do tempo, que não saberíamos ocupar.

CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

4.2. Vamos refletir:


1. Escolha 3 (três) fundamentos para se chegar à verdade e comente a
importância desses conhecimentos.

 2. Como podemos entender o pensamento de Sartre e Merleau-Ponty quando
diz que somos “seres em situação”?

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