Os pressupostos da Ciência
O que distingue a atitude científica da atitude costumeira ou do senso comum?
Antes de qualquer coisa, a ciência desconfia da veracidade de nossas certezas, de
nossa adesão imediata às coisas, da ausência de crítica e da falta de curiosidade. Por
isso, ali onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude científica vê problemas e
obstáculos, aparências que precisam ser explicadas e, em certos casos, afastadas.
Sob quase todos os aspectos, podemos dizer que o conhecimento científico
opõe-se ponto por ponto às características do senso comum:
é objetivo, isto é, procura as estruturas universais e necessárias das coisas
investigadas;
é quantitativo, isto é, busca medidas, padrões, critérios de comparação e
avaliação para coisas que parecem ser diferentes. Assim, por exemplo, as
diferenças de cor são explicadas por diferenças de um mesmo padrão ou
critério de medida, o comprimento das ondas luminosas; as diferenças de
intensidade dos sons, pelo comprimento das ondas sonoras; as diferenças de
tamanho, pelas diferenças de perspectiva e de ângulos de visão, etc.;
é homogêneo, isto é, busca as leis gerais de funcionamento dos fenômenos,
que são as mesmas para fatos que nos parecem diferentes. Por exemplo, a lei
universal da gravitação demonstra que a queda de uma pedra e a flutuação de
uma pluma obedecem à mesma lei de atração e repulsão no interior do campo
gravitacional; a estrela da manhã e a estrela da tarde são o mesmo planeta,
Vênus, visto em posições diferentes com relação ao Sol, em decorrência do
movimento da Terra; sonhar com água e com uma escada é ter o mesmo tipo
de sonho, qual seja, a realização dos desejos sexuais reprimidos, etc.;
é generalizador, pois reúne individualidades, percebidas como diferentes, sob
as mesmas leis, os mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando que
possuem a mesma estrutura. Assim, por exemplo, a química mostra que a
enorme variedade de corpos se reduz a um número limitado de corpos simples
que se combinam de maneiras variadas, de modo que o número de elementos é
infinitamente menor do que a variedade empírica dos compostos;
são diferenciadores, pois não reúnem nem generalizam por semelhanças
aparentes, mas distinguem os que parecem iguais, desde que obedeçam a
estruturas diferentes. Lembremos aqui um exemplo que usamos no capítulo
sobre a linguagem, quando mostramos que a palavra queijo parece ser a mesma coisa que a palavra inglesa cheese e a palavra francesa fromage,
quando, na realidade, são muito diferentes, porque se referem a estruturas
alimentares diferentes;
só estabelecem relações causais depois de investigar a natureza ou estrutura
do fato estudado e suas relações com outros semelhantes ou diferentes. Assim,
por exemplo, um corpo não cai porque é pesado, mas o peso de um corpo
depende do campo gravitacional onde se encontra – é por isso que, nas naves
espaciais, onde a gravidade é igual a zero, todos os corpos flutuam,
independentemente do peso ou do tamanho; um corpo tem uma certa cor não
porque é colorido, mas porque, dependendo de sua composição química e
física, reflete a luz de uma determinada maneira, etc.;
surpreende-se com a regularidade, a constância, a frequência, a repetição e a
diferença das coisas e procura mostrar que o maravilhoso, o extraordinário ou o
“milagroso” é um caso particular do que é regular, normal, frequente. Um
eclipse, um terremoto, um furacão, embora excepcionais, obedecem às leis da
física. Procura, assim, apresentar explicações racionais, claras, simples e
verdadeiras para os fatos, opondo-se ao espetacular, ao mágico e ao fantástico;
distingue-se da magia. A magia admite uma participação ou simpatia secreta
entre coisas diferentes, que agem umas sobre as outras por meio de qualidades
ocultas e considera o psiquismo humano uma força capaz de ligar-se a
psiquismos superiores (planetários, astrais, angélicos, demoníacos) para
provocar efeitos inesperados nas coisas e nas pessoas. A atitude científica, ao
contrário, opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo,
mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais
que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a
todos;
afirma que, pelo conhecimento, o homem pode libertar-se do medo e das
superstições, deixando de projetá-los no mundo e nos outros;
procura renovar-se e modificar-se continuamente, evitando a transformação das
teorias em doutrinas, e destas em preconceitos sociais. O fato científico resulta
de um trabalho paciente e lento de investigação e de pesquisa racional, aberto a
mudanças, não sendo nem um mistério incompreensível nem uma doutrina
geral sobre o mundo.
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Os fatos ou objetos científicos não são dados empíricos espontâneos de nossa
experiência cotidiana, mas são construídos pelo trabalho da investigação científica. Esta
é um conjunto de atividades intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com base em métodos que permitem e garantem:
separar os elementos subjetivos e objetivos de um fenômeno;
construir o fenômeno como um objeto do conhecimento, controlável, verificável,
interpretável e capaz de ser retificado e corrigido por novas elaborações;
demonstrar e provar os resultados obtidos durante a investigação, graças ao
rigor das relações definidas entre os fatos estudados; a demonstração deve ser
feita não só para verificar a validade dos resultados obtidos, mas também para
prever racionalmente novos fatos como efeitos dos já estudados;
relacionar com outros fatos um fato isolado, integrando-o numa explicação
racional unificada, pois somente essa integração transforma o fenômeno em
objeto científico, isto é, em fato explicado por uma teoria;
formular uma teoria geral sobre o conjunto dos fenômenos observados e dos
fatos investigados, isto é, formular um conjunto sistemático de conceitos que
expliquem e interpretem as causas e os efeitos, as relações de dependência,
identidade e diferença entre todos os objetos que constituem o campo
investigado.
Delimitar ou definir os fatos a investigar, separando-os de outros semelhantes
ou diferentes; estabelecer os procedimentos metodológicos para observação,
experimentação e verificação dos fatos; construir instrumentos técnicos e condições de
laboratório específicas para a pesquisa; elaborar um conjunto sistemático de conceitos
que formem a teoria geral dos fenômenos estudados, que controlem e guiem o
andamento da pesquisa, além de ampliá-la com novas investigações, e permitam a
previsão de fatos novos a partir dos já conhecidos: esses são os pré-requisitos para a constituição de uma ciência e as exigências da própria ciência.
A ciência distingue-se do senso comum porque este é uma opinião baseada em
hábitos, preconceitos, tradições cristalizadas, enquanto a primeira baseia-se em
pesquisas, investigações metódicas e sistemáticas e na exigência de que as teorias
sejam internamente coerentes e digam a verdade sobre a realidade. A ciência é
conhecimento que resulta de um trabalho racional.
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